Por Michel Jasper e Maurício Salkini
O título pode chocar em um primeiro momento, mas sim, no formato atual o delivery tem se tornado no péssimo negócio, principalmente para varejistas e comerciantes que utilizam os aplicativos líderes de mercado, onde um único aplicativo pega a fatia de 80% do mercado brasileiro.
Existem pesquisas comprovando que esses aplicativos “globais” e líderes de mercado estão levando muitos negócios de alimentação à falência*. Apertam margem gerando concorrência dentro da própria plataforma – para vender, o pequeno varejo ou acata a promoção ou subsidia a entrega. Somado a esse esforço, essas soluções cobram taxas de 20% a 30% do valor bruto das vendas. Lembrando que nessa venda existe ainda a parte dos insumos, da folha de pagamento e do aluguel do imóvel.
De acordo com a repórter Daniele Madureira (2020) *: As principais queixas se referem às "promoções malucas" propostas pelo aplicativo, do tipo "compre um lanche e ganhe outro" ou a oferta sistemática de cupons de desconto de R$ 10, que acaba com as margens de lucro dos estabelecimentos, minha porção de calabresa custa R$ 14. “Eu tenho que pagar 27% sobre o preço do pedido para o iFood. Como é que eu vou dar um desconto de R$ 10? Vai me sobrar o quê?", questiona Jane Bassoli, sócia do marido Alexandre Bassoli no Bassa Bar e Restaurante, na zona oeste de São Paulo.
A solução parece simples, basta os estabelecimentos não utilizarem esses aplicativos, mas na prática não é bem assim.
As pessoas se concentram em Apps maiores devido a campanhas de marketing mais fortes, maior penetração no mercado e claro mais investimento em tecnologia e estrutura, é complexo para o usuário ter vários Apps em seu smartphone, podendo ter apenas um com um volume gigante de estabelecimentos e segmentos, fazer apenas um cadastro e ter uma experiência completa.
Mas, digo que não existe no comprador a satisfação de usar essa solução de delivery e, se fazem, é pela conveniência e não por excelência. A maior prova desta descoberta é a compra diretamente pelo WhatsApp e na criação de aplicativos próprios por vários estabelecimentos comerciais, mesmo nos negócios menores.
Sou contra os aplicativos que existem? Não. Repito que não sou contra para ajudar na elaboração de alternativas: eu disse alternativa e não eliminação. Descarto as possibilidades binárias (a favor e contra) e mergulho em análises complexas, juntando experiências de outros segmentos.
Convoco os jovens e suas startups a nos salvarem deste modelo no qual somente os acionistas dos gigantes de serviços de entrega ganham. Juventude criativa, levantai-vos e “mãos à obra” pela distribuição mais racional do dinheiro do cliente que compra de casa!
Recentemente circulou a notícia da saída do Uber eats do segmento de alimentação me despertando correlações entre três segmentos – delivery, transporte de passageiros e supermercados.
O Uber, empresa global, decidiu pegar seu banquinho e sair de fininho do delivery de comida, enquanto a solução Traz Favela cresce nas periferias de Salvador.
A solução de atendimento às regiões periféricas da Bahia não é a exceção, publicou a Abrasel: "Brasileiros usam mais de 250 apps de delivery de comida diferentes: “Os dados se baseiam na análise de 41 mil pedidos de delivery, coletados pelo PiniOn, aplicativo que faz crowdsourcing de dados usando gamificação”.
“O Pede por Perto é uma startup de impacto social, criada para ajudar os micros e pequenos negócios a terem uma presença digital de forma simples, fácil e gratuita. Diferente de outras plataformas comerciais, no Pede por Perto cada cidade tem sua própria página, o que destaca e valoriza o comércio local em mais de 5.000 municípios do Brasil. Também buscamos dar ênfase aos centros comerciais populares” se apresenta o serviço no site. Gratuito para todo mundo, nos diz o fundador Fred Rocha.
A prefeitura do Rio de Janeiro criou o “Entrega.Rio", aplicativo de delivery voltado para gastronomia, uma opção mais econômica para todos os envolvidos na relação de consumo, oferecendo taxa zero para restaurantes, rentabilidade maior para os entregadores e produtos mais baratos para os clientes. A partir de uma iniciativa da Prefeitura do Rio, o app foi desenvolvido pela Iplan Engenharia e Construções, seguindo os passos do já bem-sucedido Táxi.Rio”*.
Supermercados
Os supermercados são outro segmento que enfrenta grandes desafios na gestão de delivery, por ser um segmento mais complexo em processos, gestão de estoque e pessoas, acaba ficando refém de grandes aplicativos de delivery.
Esse segmento sofre com as altas taxas dos aplicativos de delivery, pois o varejo supermercadista trabalha com margem baixa devido a alta concorrência e sensibilidade de preços por parte do consumidor, em grande parte das vezes as vendas online geram prejuízo ou interferência direta, puxando a margem para baixo.
Outro grande desafio é a gestão de estoque, com uma acuracidade em 72%, ou seja 28% de estoque errado na média Brasil, as inconformidades nas entregas são outro grande desafio, obrigando os varejistas a trabalhar com mix reduzido no digital e ainda arcar com custos operacionais de substituição de produtos.
Além de gerar dificuldade de cumprir os prazos e janelas de entrega, já que muitos varejistas precisam competir dentro da mesma plataforma com grandes players nacionais e globais.
Mas, qual seria a solução?
A melhor delas seria investir em seu próprio aplicativo, seja com desenvolvimento próprio ou terceirizado, algumas empresas de ERP oferecem um sistema próprio de venda online, o que é a solução perfeita para o supermercadista, já que todas as áreas trabalham em conjunto facilitando o gerenciamento.
São muitas as vantagens de ter seu próprio e-commerce:
- Melhor gestão de estoque e mix disponível;
- Possibilidade de ter uma integração completa em todas as pontas;
- Todo o controle é feito em um só lugar;
- Controle logístico;
- Melhora na operação e gestão dos processos;
- Maior fidelização, afinal a cliente dificilmente baixa vários aplicativos, dando preferência para o que já tem instalado.
Existe ainda um ponto que podemos dizer que é o mais importante: o controle e a segurança dos seus dados.
Hoje grande parte dos varejistas não controla os dados e as informações de compra do cliente, quando usamos aplicativos terceiros estamos entregando o que temos de mais valioso, que os dados e comportamento de compra de cada cliente.
Quando falamos de trade marketing e gerenciamento de categoria os dados de comportamento de compra do shopper são fundamentais, mas grande parte dos varejistas entrega para terceiros e, muitas vezes, nem tem acesso.
Mas como sair dos grandes players e levar o cliente para seu ambiente de compra online?
Esse é o grande desafio, como disse anteriormente a facilidade de ter restaurante, farmácia, conveniência e supermercado em um único é aplicativo e com um único cadastro é cômodo demais para o consumidor.
Então a transição deve ser feita de forma gradual e consciente, vou dar algumas dicas:
- Demonstre as vantagens financeiras que o cliente vai ter em baixar seu aplicativo, afinal sem as taxas em excesso dos grandes players o consumidor ganha no preço;
- Crie um clube de pontos e fidelidade;
- Ofereça sistema de cashback;
- Pense na experiência do usuário sempre;
- Amplie o mix e mostre para o cliente como ele terá mais opções comprando no aplicativo da sua loja;
- Tente ao máximo espelhar a experiência da loja física, tanto na separação das categorias como nas campanhas;
- Cria possibilidade como retirada na loja e entrega rápida;
- Tenha um bom suporte, esse é um dos maiores pontos negativos dos grandes players.
Tudo isso é desafiador, mas possível, então comece.
Invista na sua própria plataforma, por você, pelo seu resultado e pelo seu cliente.
Transporte de passageiros
O Entrega.Rio foi inspirado em outro aplicativo do próprio município do Rio de Janeiro, o Táxi Rio*, como alternativa às taxas que se cobravam dos motoristas de aplicativos.
É democrático na definição do desconto – o motorista oferta de 0 a 40% – e na escolha do passageiro – quanto menor o desconto, maior a quantidade de carros para atender. O desconto pode ser alterado pelo motorista em função do horário da corrida e do dia da semana. Na hora da escolha, aumenta ou diminui seu lucro e sua demanda, porque o cliente escolhe quanto exigirá de desconto.
A sacada foi a retirada dos intermediários e a distribuição do poder entre taxista e passageiro. Golaço de placa! Se uma prefeitura conseguiu alternativa, os empreendedores também conseguirão, já estão “na pista”.
Em dezembro de 2018 já existiam pelo Brasil: “o Bora Cariri, do Ceará; CabiCar, app e Me leva agora, também de Campinas; Madame Drive, de Manaus, Mobi Driver, também no Amazonas; Driver BR, de Bauru, no interior de São Paulo; Servos, de Fortaleza; Brazil Go, de Vitória, Cariacica e Colatina, todas cidades do Espírito Santo; Urbano Norte, em Rondônia; e, claro, o Mova, da Bahia”*.
A Lets, que atua na cidade de Niterói, com soluções locais para transporte de passageiros é formada a partir de uma Associação de motoristas - AIMAP, declara não cobrar lucros dos motoristas (“Quer ser motorista da Let's e ficar com 100% do seu lucro!?”)* e aceitará a moeda social da cidade, comprovando atuar na economia que chamamos de solidária. A atuação é regional na chamada principal do site: “Um novo conceito na maneira de se locomover por Niterói e região”.
Esses concorrentes regionais atuando no setor que a tecnologia é fundamental – aplicativos de delivery e de passageiros – demonstram que existem fornecedores e são muitos, que se intitulam fabricas de aplicativos, ofertando soluções tecnológicas que possibilitam concorrer com os gigantes globais, líderes de mercados. É possível!
Os vultuosos recursos para o marketing podem ser compensados com criatividade dos empreendedores nativos. Em Niterói são notícia e desejados por motoristas e clientes pela engenharia financeira de não cobrarem taxas dos motoristas.
Já a Madame Drive, de Manaus, com a oferta de serviços exclusivamente para mulheres para trabalhar e usar o serviço. Ou por beneficiar os trabalhadores ou por ofertar algo para uma parte especifica da população os dois serviços conseguem mídia e espaços nos carros, nos celulares e nos corações.
Bora Cariri, da região do Ceará (Foto: Divulgação/Bora Cariri)
Esse artigo não pesquisou a situação atual de cada aplicativo, se cresceu ou se encerrou as operações, porque o intuito aqui é mostrar as possibilidades dos saberes locais enfrentarem o poder econômico e as forças das companhias globais.
Mais importante que o estágio de cada negócio atualmente é a amostragem de vários empreendedores com atuação regionalizada.
O Poder da Regionalização e do Comércio Local
O mercado da região pode, deve e estão realizando um trabalho de ofertar itens com qualidade superior, atendimentos mais humanizados com donos muito próximos da operação e gestão a cada dia mais profissional, no sentido de potencializar suas oportunidades.
O cliente mal servido, ofertas excessivamente padronizadas, fornecedores espremidos demasiadamente e margens suprimidas são cenários típicos do nascedouro de soluções concorrenciais. Nesse ponto eu comparo os aplicativos de Delivery, o transporte de passageiros e os supermercados torcendo que eu me mantenha um realista esperançoso* na ressureição de práticas mais humanizadas, mesmo que estejamos todos disputando a sobrevivência.
Michel Jasper é especialista em varejo com mais de 18 anos de experiência, com foco na área operacional, comercial e gestão de equipes. Já atuou nas maiores redes varejistas do país.
Com mais de 265 mil seguidores e 1.2 milhões de leitores semanais, foi eleito TOP VOICE 2020 pelo LinkedIn, sendo considerado um dos 25 brasileiros mais influentes de 2020 na plataforma. É fundador da empresa WEB JASPER, que oferece soluções exclusivas em softwares para supermercados, farmácias e lojas de conveniência, atendo grandes players varejistas em todo o Brasil.
É idealizador e fundador da plataforma AMO VAREJO, a maior plataforma de recrutamento e seleção para varejo do Brasil. O objetivo principal da plataforma é incentivar profissionais a ingressarem no ramo varejista, com abrangência em nível nacional.
@micheljasper
Mauricio Salkini é administrador, palestrante e empresário com experiência em franquias: Bobs, Kopenhagen e Rei do Mate (participa do Conselho de franqueados). Implantou mais de 15 negócios em shopping, supermercado, rua e estação de transportes - barcas, trem e metrô.
Pedagogo Social, Pesquisador e membro do Grupo de Pesquisa PIPAS-UFF. Vencedor por duas vezes do Prêmio Ser Humano ABRH-RJ: Treinamento Cult (2019) e Primeiro Emprego Decente (2021).
Produz conteúdo no Linkedin, Instagram, no Podcast Trilogia Saudável e no YouTube: #empreendedorismo #negociosgastronomicos #foodservice #varejosocial #ESG #sustentabilidade #franquia #franchising
Palestrante da Expo Supermercados, Empreende Alagoas e na Escola de Marmitaria.
Artigos publicados na revista RPS UFF e nos portais: Central da Franquia e RH-LF.
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